“Her” (2013) e a interação humano-máquina


Para mim, de modo sucinto, um bom filme é aquele que consegue contar uma história de maneira criativa e fazer com que o espectador consiga assimilar a outros contextos o que está sendo contado. Her, por sua riqueza de detalhes e temas importantes, com certeza é um dos filmes que correspondem a isso e sei que irei citá-lo ainda muitas vezes. Por agora, faço uma breve análise desta obra de Spike Jonze.

"Theodore (Joaquin Phoenix) é um escritor solitário, que acaba de comprar um novo sistema operacional, Samantha (Scarlett Johansson), para seu computador. Para a sua surpresa, ele acaba se apaixonando pela voz deste programa informático, dando início a uma relação amorosa entre ambos. Esta história de amor incomum explora a relação entre o homem contemporâneo e a tecnologia." - AdoroCinema

ATENÇÃO, O CONTEÚDO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS!

Num cenário propositalmente incerto, por não demarcar claramente tempo e espaço, Her (ou Ela) nos estimula a pensar nas inúmeras possibilidades de um presente-futuro caracterizado pelo impacto da globalização, bem colocada na crítica do AdoroCinema: “Esse futuro do pretérito é um mundo anônimo, despersonalizado, fruto da globalização que deixa todas as pessoas e lugares com uma aparência semelhante”. 

E é por refletir nessa ambiência e em como o ser humano se relaciona com o mundo pós-moderno, que identificamos Theodore como um personagem com características muito próximas às do homem contemporâneo e sua relação com a tecnologia. Além disso, vemos a linguagem, especificamente a fala, como elemento que norteia e liga toda a narrativa.


Ao tentar lidar com a separação de sua esposa (Rooney Mara), Theo busca num sistema operacional chamado Samantha que tem inteligência artificial e voz feminina a compreensão e satisfação de seus desejos e emoções mais intrínsecos. O que se transforma numa paixão não convencional entre humano e máquina. Nessa “relação”, são postos em xeque diversos conflitos de um relacionamento comum, além de novas perspectivas que envolvem o pensar e o sentir de uma máquina.

Não se limitando apenas à paixão virtual, de modo nada superficial, o filme dá margem a questionamentos sobre as relações humanas; um “individualismo terceirizado”- onde quase tudo é mediado pela tecnologia (como sexo virtual e a escrita de cartas para outros) -, o poder de construção da linguagem e a atualidade futurística que tão pouco percebemos mudar nossa forma de ver a vida.


“O passado é apenas uma história que contamos a nós mesmos”


A negação do passado e a visão otimista de futuro fazendo com que o presente seja superestimado são também questões contidas no filme. Primorosamente orientado por diálogo, na medida em que Theo reage à voz de Samantha, Her valoriza a linguagem como um fator de construção de narrativas podendo redefini-las.
Em seu artigo científico, que discute muito bem as relações entre tempo, narrativa e história, Mariana de Oliveira Amorim, mestre em História Social, faz uma análise interessante desses conceitos no filme:

“o passado é apenas uma história que contamos a nós mesmos?” é uma constatação de Samantha, ao perceber que nós próprios podemos reelaborar nosso passado, narrando-o de outra forma ou sob outra perspectiva. Se partirmos do pressuposto de que as experiências do passado só se tornam inteligíveis através de configurações narrativas elaboradas pela linguagem do nosso presente, podemos afirmar que o passado é, sim, apenas uma história que contamos a nós mesmos. No entanto, outra pergunta devemos fazer: se o passado é apenas uma história, que história é essa? Em nossa língua, o conceito de história é polissêmico. (AMORIM, 2014, p. 4)


A crença de poder se auto-realizar em uma espécie de máquina em detrimento do convívio humano nos revela o caráter egoísta de Theodore em buscar ser compreendido e não tentar compreender a outra pessoa.

Para ele e os outros personagens vistos no filme, como Amy (Amy Adams), programadora de jogos que está infeliz com o próprio relacionamento e se torna amiga de um sistema operacional, ter a possibilidade de se relacionar com uma máquina é vista como uma liberdade. 

Liberdade esta que mostra a afeição do diretor e roteirista Spike Jonze à realidade virtual levando a uma reflexão super necessária sobre qual tem sido a realidade que temos almejado e o quanto ela transparece nossas ambições humanas ao lidar com o mundo digital.

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Por mostrar como o apego à tecnologia como modo de suprir o afeto humano é falho revelando nosso caráter de incompreensão do outro e deixar um final esperançoso propenso à construção de uma ressignificação no que tange ao reconhecimento de nossas particularidades humanas através da perspectiva sempre irreverente de Jonze, Her é com certeza o tipo de filme para não ser apenas visto, mas para além disso, pensado.

Her (2013, EUA)
  • Duração: 2h06min
  • Gênero: Drama, Romance, Ficção científica
  • Direção: Spike Jonze
  • Roteiro: Spike Jonze
  • Classificação indicativa: 14 anos
Demais fontes:
Imagens de: AdoroCinema | Gif de: tenor.com

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2 Comentários

  1. Acho interessante citar a interessante ligação que Her tem com o filme Lost in Translation, dirigido e escrito pela ex-esposa de Spike Jonze. Um vídeo do Gustavo Cruz no YouTube fala um pouco mais aprofundado sobre isso. Pra quem já acha profundo o que esse filme passa, vai achar mais interessante ainda ver por esse outro lado.

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    1. Oi, Gabriel. Bem lembrado! Já li a respeito disso. Spike Jonze foi casado com Sofia Coppola, diretora de Lost in Translation e de As Virgens Suicidas. Os filmes dele (Her) e dela (Lost in Translation) realmente se relacionam. Obrigada por contribuir! Volte sempre! ;)

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